quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Saúde: direito de todos

Saúde: direito de todos


O que deve prevalecer no embate entre a dignidade da pessoa humana e o orçamento público

Texto: Marioly Oze Mendes


A Administração Pública deve obedecer aos princípios da legalidade e da eficiência (art. 37,caput, CF), incumbindo-a de prestar serviços públicos adequados ao pleno atendimento às necessidades da sociedade (art. 175, IV, CF e art. 6˚, Lei n˚ 8.987/95). A saúde é um bem fundamental e é dever do Estado ofertar serviços e ações através de políticas públicas de promoção, prevenção, proteção e recuperação, estando à mesma destacada na nossa "Constituição Cidadã" como um dos direitos sociais (art. 6˚, CF), ao ser enfatizado que: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que vissem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196, CF).

A Declaração Universal das Nações Unidas (ONU) descreve que "todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde [...]" (art. XXV, 1, DUDH) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) define a saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, em vez de mera ausência de doenças ou enfermidades". A vida com saúde é fator que leva felicidade à própria pessoa e à sociedade.


André Graf de Almeida, José Alonso Borba e Luiz Carlos da Flores, no artigo A utilização das informações de custos na gestão da saúde pública: um estudo preliminar em secretarias municipais de saúde do estado de Santa Catarina, publicado no periódico Revista de Administração Pública, destacam que "a saúde é uma área bastante complexa, composta por vários tipos de procedimentos e atividades, o que torna a sua administração uma tarefa desafiadora" e, que em face do "crescimento e aprimoramento desta área" faz-se necessário e urgente que "os profissionais do Direito [legislações] das ciências da Administração [gestão] e das Ciências Contábeis [orçamento] dirijam estudos e pesquisas para essa temática".


A saúde é um bem fundamental e é dever do Estado ofertar serviços e ações através de políticas públicas de promoção, prevenção, proteção e recuperação


Em face da "judicialização" e, sendo a saúde um direito fundamental de toda pessoa, de forma igualitária e integral, cabendo ao Estado (gênero) cumprir o ordenamento jurídico, devendo fornecer as condições imprescindíveis ao seu pleno exercício que consiste na formulação e execução de políticas públicas visando à diminuição de riscos e doenças e de outros agravos (art. 2˚, § 2˚, Lei n˚ 8.080/90 - Lei Orgânica da Saúde), questiona-se o que deve prevalecer no embate entre o "mínimo existencial" (dignidade da pessoa humana) e a "reserva do possível" (orçamento público)?


A essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (art. 197, CF). O Estado tem a obrigação legal de proporcionar o amplo acesso à saúde de todas as pessoas, sem a necessidade de contribuição de qualquer tipo, abrangendo inclusive a recuperação da saúde por meio dos atendimentos médicos, exames, tratamentos, fornecimento de medicamentos e de equipamentos diversos.


Gabriel, O Pensador, em sua música "Sem Saúde", nos faz refletir sobre a realidade atual da saúde pública: "[...]. Me cansei de lero-lero. Dá licença, mas eu vou sair do sério. Quero mais saúde. Me cansei de escutar... [...]. Tá muito sinistro! Alô, prefeito, governador, presidente, ministro, traficante, Jesus Cristo, sei lá... Alguma autoridade tem que se manifestar! [...]. E se eu ficar doente? Quem vem me buscar? A ambulância ou o rabecão? [...]. Eu num tenho educação, mas saúde eu quero ter. [...] Já paguei os meus impostos, não sei pra quê? Eles sempre dão a mesma desculpa esfarrapada: 'A saúde pública está sem verba'".


Alexandre de Moraes, autor de Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucionaldestaca que "[...] o Estado é juridicamente obrigado a exercer ações e serviços de saúde visando à construção da nova ordem social, cujos objetivos são o bem-estar e a justiça sociais".


Apesar dos Poderes constituídos serem independentes entre si (art. 2˚, CF), é possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo.


O direito à saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a execução de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas e concretas que possibilitem o efetivo acesso da sociedade aos serviços desta área.


Considerando que é de suma relevância pública as ações e serviços de saúde, consolidou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de assegurar a plena eficácia (metas alcançadas) ao mandamento constitucional: "[...] O Estado não poderá demitir-se do mandato constitucional, [...] fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à saúde, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. [...]". (STA 175-AgR, Rel. Min. Pres. Gilmar Mendes, 17/03/10).


O direito à saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a execução de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas e concretas que possibilitem o efetivo acesso da sociedade aos serviços desta área


O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) tem decidido que, em face da preservação da saúde, deverá o Estado proteger o direito à vida, realizando (independente de qualquer entrave burocrático) exames, tratamentos e distribuição gratuita de medicamentos e equipamentos médicos aos pacientes necessitados, conforme se constata em suas jurisprudências: "[...]. Havendo prova inequívoca capaz de convencer este Órgão Julgador da verossimilhança das alegações e fundado o receio de dano irreparável ou de difícil reparação decorrente da demora na entrega da prestação jurisdicional definitiva, mostra-se correta a antecipação de tutela [antes de ouvida a parte contrária e da instrução probatória] obrigando o Estado a fornecer o tratamento de que necessita o paciente para manutenção de sua saúde. (AI 2011.067002-1 - Forquilhinha, Rel. Des. Jaime Ramos, 19/01/12)".


Porém, para um contraponto e reflexão sobre a relevante temática apresentada é de extrema importância destacar a sentença prolatada pelo juiz de Direito Cláudio Barbosa Fontes Filho ao enfatizar que: "[...] claramente reflete abusos, [...] são várias as ações nas quais, após o juízo conceder a antecipação de tutela e Município adquirir e disponibilizar o medicamento, a parte autora leva semanas ou até meses para comparecer no local indicado para retirá-lo, situação que demonstra que, em verdade, aquele fármaco não era necessário, ou ao menos não era necessário com a urgência pretendida. [...] Promotor de Justiça [...] intrigado com essa avalanche de ações versando sobre fornecimento de medicamentos/tratamentos médicos [...] o motivou a instaurar inquérito civil sobre a questão [...]. (Autos n˚ 075.12.001819-0, Comarca de Tubarão, 7/5/12)".


Há muito se propagam a relevância e a necessidade do planejamento das atividades da Administração Pública, na busca incessante do saneamento geral de suas finanças, convivendo em contraponto com a insuficiência de recursos financeiros (sempre destacada pelos gestores públicos) para processar as variadas demandas de uma sociedade cada vez mais complexa.


Há muito se propagam a relevância e a necessidade do planejamento das atividades da Administração Pública, na busca incessante do saneamento geral de suas finanças, convivendo em contraponto com a insuficiência de recursos financeiros (sempre destacada pelos gestores públicos) para processar as variadas demandas de uma sociedade cada vez mais complexa.


Os Municípios devem aplicar, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de quinze por cento calculados sobre o produto da arrecadação dos impostos (art. 198, § 2º, III, CF e art. 77, III, ADCT).


O orçamento público configura-se como um processo contínuo, dinâmico e flexível, que relaciona os recursos financeiros às ações governamentais, com o objetivo de programar e executar as políticas públicas, demonstrando, em termos físicos e financeiros, os programas de trabalho do Estado. Para além das fronteiras meramente contábeis como instrumento legal, o orçamento público deve adquirir a função de instrumento de planejamento para a administração.


É necessária a continuidade do debate para um maior aprofundamento dos tópicos apresentados, sem a pretensão de encerrar o assunto proposto, em face de ser complexo e desafiador. Distante de ter-se esgotado, requer que continuemos a discuti-lo para que obtenhamos uma resposta objetiva e real para o questionamento: Falta recurso (humano, financeiro e material) ou planejamento (estratégia) para que o Estado cumpra com a obrigação legal envolvendo a assistência à saúde?


A atual Constituição Federal consagrou os direitos sociais como direitos fundamentais dotados de exigibilidade. Porém, faz-se necessário refletir que a concretização do direito à saúde pressupõe a existência de recursos (humano, financeiro e material). É possível o Estado atender e prestar com qualidade e satisfação as reivindicações sociais da sociedade atinentes à saúde, no que tange a questão dos custos financeiros e as dimensões orçamentárias?


Considerando que a atividade de pesquisa tem uma finalidade de reunir informações necessárias para encontrar respostas para questionamentos e apresentar soluções concretas e Henry Ford nos leva à reflexão quando enfatiza que "não encontre defeitos, encontre soluções", acredita-se que a ausência de planejamento (na busca contínua e incessante do investimento da forma mais racional e produtiva dos recursos para maior qualidade nos investimentos) e a alocação de recursos específicos (dotação e controle orçamentário) não podem servir de obstáculos ao tratamento de saúde para pessoa realmente necessitada e carente de recursos financeiros, em face de que a vida deve sempre ser o bem maior a ser protegido pelo Estado, ou seja, a despeito indeclinável da prevalência inconteste do direito à saúde na hipótese concreta, deve a Administração Pública assumir as funções que lhe são próprias, sendo certo que questões orçamentárias não devem obstaculizar o implemento do previsto em nossa Lei Maior.


Marioly Oze Mendes
Professor dos Cursos de Direito, de Administração, de Ciências Contábeis, de Adm. Agronegócios e de Sistemas de Informação, e coordena o Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito - NUPEDI
Contato: marioly@ibest.com.br


http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/81/artigo296593-2.asp

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